Pessoa
"Olhar você e não saber que você é a pessoa mais linda do mundo... Ganhar você e não querer. É por que eu não quero que nada aconteça, deve ser por que eu ando ruim da cabeça, eu já cansei de acreditar."
Ouve-se um rompante estrondo. O barulho agudo da sineta antecede a voz libidinosa da locutora: "Próxima Estação, Cardeal Arcoverde. Desembarque pelo lado direito. Observe atentamente o espaço entre o trem e a plataforma". As portas se abrem rapidamente.
Já devia ser a centésima, octagésima, milésima vez que aquele mesmo corpo descia do trem. A rotina fazia que o corpo esguio daquele jovem se alertava ao ouvir o grito. Junto a ele outras dezenas de vidas saiam pelo espaço aberto, tomando cuidado com o chão. Ele sai. O trem passa. A velocidade aumenta. E o garoto segue. Na flor de seus 19, 20, no máximo 21 anos, o cara comum anda pela estação como quem desfila pela primavera, sua estação.
O local com uma estrutura quase fantasmagórica o encantava. As cores ressaltavam na fria pedra da parede. Ele já se sentia parte da caverna metropolitana. Caminhava pensando nos cheques lançados, nos discos nunca comprados, nas músicas mal lembradas. Cada passo seu estava sendo vigiado. Sua vida era muito mais que um belo par de olhos que miravam a escada. Sua vida era uma festa, um enigma. Sua respiração era som. Seu andar era um espetáculo que do interior do interior da escura e densa caverna alguém o espionava.
O espião, também conhecido como segurança, segurava suas emoções ao ver esse rapaz. Ele sentia paz e angustia ao ver o belo moço. Ele precisava falar com ele. O espião esperava sempre o trem das 8:17 da manhã para poder saciar seus olhos. O rapaz não sabia que sua vida era festa e pecado. Que ele era dono de uma paradoxal mistura. O rapaz só queria ganhar sua vida, seu pão. O segurança queria dividi-lo. Queria fazer parte desse cotidiano que parecia o fazer tão bem.
Um dia, inesperadamente, o trem das 8:17 não trazia vida. Passou 8:23. 8:27. 8:33... 10:57... 12:47... Cada segundo, cada trem a saudade do que ele nunca teve ia consumindo-o. Decidiu. Hoje ele dobraria a carga. Passou-se a tarde. O almoço não teve sabor. O café estava em pura água negra. O espião falhou.
Porém, repentinamente, surge o sol na noite fria do metrô. 19:15 chegava a estação o moço que era a razão de seu serviço. Ao lado uma bela mulher. Os dois se amavam sem toque. Mostravam que suas vidas eram completas. O mundo parecia ser somente aqueles dois seres. Toda raça humana passou a ser vegetativa. Enquanto a mulher conversava olhava o mapa da cidade o jovem se encaminhou ao mais próximo possível da linha amarela que o separava dos trilhos. Com esperanças no coração, o segurança se ergueu da cadeira do circuito e decidiu que era a hora. Após aquele sufoco ele não poderia perder a oportunidade de ao menos falar "oi" para aquele rapaz. Correndo, antes que chegasse o trem ele foi até a plataforma. O mundo parou. Ele estava a dois metros do homem que trazia vida a sua vida.
- Boa noite. - Disse fortemente o segurança.
- Pois não. - Estranhou o garoto.
- Você não deve saber quem eu sou. Não deve imaginar o que eu quero. Mas queria agradecer por você existir.
- Como assim?
- Você não deve se lembrar de mim. Eu sou ex-namorado de uma amiga sua. Quando eu te conheci nós tinhamos nossos 15 anos.
- Sim...
- E desde então eu não consigo parar de olhar você. Por onde você anda eu estou. Eu sou seu espião. Coleciono fotos suas. Quando você perde algo eu guardo. Gosto de saber tudo que você faz.
- Espere um momento. Quer dizer que você está me espionando esse tempo todo só pelo prazer voyerisco de tomar conta da minha vida?
- Sim...
- Mas por que? O que eu fiz? Pra dizer a verdade eu nem lembro de você exatamente. Não reconheço quem está por trás dessa indumentária negra. Quem vive atrás do quepe?
- Quando nós tinhamos 16 anos você foi viajar para o interior. E se despediu da sua amiga. A beijou, deu um abraço. E depois me abraçou. Eu o tive por 3 segundos. Os três melhores segundos da minha vida. Senti que em teus braços morreria, e a morte era bela.
- Espere! Você me persegue por que eu te dei um abraço de despedida?
- Sim. Desde então só a sua vida tem graça pra mim. Gosto da tua força. Gosto do que você faz. Gosto do seu jeito. Queria eu ser você. Permite-me?
- Impossível! - exortou - Acho que você se apaixonou pela pessoa errada. Na época errada. Aquela mulher incrivel ali é minha esposa. Vivemos bem.
- E como você a conheceu?
- Ela era minha amiga de colégio. Ela estava namorando um cara que ela amou demais. Eu acho que até hoje o ama. Mas há notícias que ele a abandonou por que se apaixonou por outra pessoa.
- E você a ama?
- Sim. Gosto muito dela.
- Gostar muito ainda não é amar. Se você até hoje não gosta dela suficientemente para ama-la, nunca amará. O que te impede de amá-la?
Como por um encanto ele se lembra do muro que o separa do amar e do gostar. O passado. O que os ligava não era a amizade. Mas os amores que ambos tiveram e nunca foram correspondidos. Os dois, aquele casal que parecia apaixonado um pelo outro, já tinham vivido uma paixão pela mesma pessoa. E tudo se fez. A tal pessoa que ele se apaixonou era hoje o segurança. Segurança esse que era ex de sua então esposa. Milhares de espasmos.
O trem estava prestes a chegar. Já se via a luz. A mulher acenava para que eles entrassem no vagão. Seu coração estava mais rápido que o trem. Ela apontou para a primeira porta do vagão. E ele indicou que ia entrar pela outra porta. O Segurança deu sua mão ao rapaz. Aquele garoto tinha o espaço de um estrondo para escolher se morreria de amor na estação ou seguiria sua vida até aprender a amar. Com um pé no vagão ele disse como quem vê o sol nascer pela primeira vez:
- Boa noite. Amanhã eu volto.
Entrou no vagão. Seguiu. Dali sua vida era outra. A esperança. Arcoverde. Tudo mudou. Nada restou. Tudo novo através daquilo que era velho. Como uma fênix sua vida ressurgiu. Eles, os três, escolheriam agora a quem amar.
2 comentários:
Eu gosto do Arsenal.
Eu prefiro gorgonzola, mas não o Cláudio Zoli, pq ele não ri.
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